A Crise política brasileira e a crise dos refugiados: O ponto de convergência
A chamada crise dos refugiados tem como foco, principalmente, a Europa, por ser a principal rota e destino destes refugiados mas, o Brasil procurou se inserir nesse quadro por uma questão estratégica de política externa. Estratégia de protagonismo que esteve marcada durante os governos Lula e Dilma, mas que enfrenta retrocesso e incerteza no atual governo do presidente em exercício Michel Temer.
O interesse brasileiro em recepcionar refugiados condiz com a agenda de proteção aos direitos humanos mas, vai além desta. O país, que desde a era Lula optou pelo multilateralismo em sua política externa, dando ênfase à cooperação sul-sul, busca se manter como potência regional na América Latina e figurar entre os atores de maior influência no sistema internacional, além de buscar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, precisa demonstrar capacidade de assimilação e resposta aos desafios internacionais, pronto para assumir responsabilidades. Foi o caso quando o Brasil aceitou liderar a missão de estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH) em 2004 e, após o terremoto ocorrido em 2010, concedeu aos Haitianos o “Visto humanitário”, uma vez que os tratados internacionais não reconhecem a categoria de refugiados ambientais. No entanto, aos haitianos que não obtêm o visto humanitário no Haiti, é possível solicitar o status de refúgio na fronteira. Hoje, os migrantes haitianos em território brasileiro somam a maioria da população migrante. Segundo dados da Polícia Federal, só no ano de 2015 foram registrados no Brasil 14.535 haitianos. O Brasil também se prontificou a receber refugiados quando houve a eclosão da atual crise humanitária, iniciada pelo alto número de deslocados após instabilidades ocorridas, principalmente, no Oriente Médio desde 2011 e pelo agravamento da Guerra na Síria. Segundo o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados no Brasil (ACNUR/UNHCR), o país ainda precisa avançar em certas questões quanto ao acolhimento de refugiados, mas já conseguiu se inserir na agenda internacional que diz respeito à temática. Na América Latina, o Brasil é o país que mais recebe refugiados.
O Brasil é signatário do estatuto dos refugiados de 1951 e do protocolo adicional de 1967, é também signatário da Declaração de Cartagena que estende a proteção a indivíduos provenientes de regiões da América Latina e fez o link entre a proteção dos direitos humanos e a temática dos refugiados na região. Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), o Brasil acolhe atualmente quase 9 mil refugiados de 79 nacionalidades diferentes. O número de solicitantes de refúgio aumentou mais de 2.000% entre 2010 e 2015, acompanhando a crise humanitária e, neste último ano, somaram 28.670 pedidos de refúgio, destes solicitantes, mais de um quarto são de origem síria constituindo a maioria, seguidos de Angola, Colômbia e República Democrática do Congo. Em 2013, o Brasil decide conceder também o visto humanitário aos migrantes Sírios, para facilitar e agilizar o processo de concessão de visto e regularização no país. O Brasil atua em consonância com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), agência presente em território brasileiro, e através do CONARE, mas as instituições que mais ativamente atuam para a real e total integração destes migrantes no Brasil são, em geral, ONG’s, como o Centro Zanmi, referência no Estado de Minas Gerais na acolhida e integração de migrantes e refugiados. O Centro realiza a recepção dos migrantes, a preparação de documentos para a obtenção de status legal no país, auxilio jurídico, auxilio na integração através do ensino do idioma, banco de empregos, auxilio social e psicológico. Em muitos casos, os migrantes são encaminhados para estas instituições pelas próprias autoridades, como a Polícia Federal, o CONARE e etc, para que recebam este auxilio. Os desafios destas ONG’s são, muitas vezes, a falta de recursos e auxílios advindos do governo e, com a atual crise, o aumento exponencial no fluxo de migrantes.
Quanto a política nacional de integração, o Brasil tem sua própria legislação para refúgio e imigração, decretada em 1997, mas nos últimos anos, o Brasil tem tomado medidas de forma a facilitar a integração destes migrantes no país. Algumas das medidas tomadas durante o governo Dilma, comandadas pelos diplomatas em parceria com o CONARE foram acordos com o ACNUR para a facilitação de entrada de Sírios no Brasil, além da capacitação e auxilio a diplomatas brasileiros, em especial aqueles em representações que fazem fronteira com a Síria, por exemplo. Em 2015, a Presidenta Dilma anunciou que o país estaria “de portas abertas” para receber os refugiados, além de anunciar o crédito especial de R$ 15 milhões para investimento em programas de acolhimento a imigrantes e refugiados. Segundo o diretor do CONARE, parte deste crédito seria utilizado para a criação de centros especializados para o acolhimento a essa população, criando finalmente instituições ligadas ao governo para a integração na sociedade brasileira. Além de medidas nacionais como a facilitação de obtenção de equivalência de diplomas, a eliminação da necessidade de consularizar documentos para que sejam válidos no Brasil, no intuito de facilitar a documentação aos refugiados, além de ser decretado que o registro nacional de identidade para estrangeiros (RNE) passaria a ser gratuito para refugiados e asilados. O PRONATEC, programa criado durante o governo Lula, que ganhou maior ênfase durante o governo Dilma, passou a oferecer também em 2015 cursos gratuitos de português para migrantes e refugiados. Estas são algumas das medidas tomadas pelo Governo Federal, que firmou parceria com organizações internacionais, além de parcerias nacionais com instituições de ensino e os governos dos estados membros e municípios, de forma a avançar na acolhida de migrantes e refugiados.
Durante o governo Dilma, sob comando do ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão, negociações estavam em andamento com a Alemanha e União Europeia para o acolhimento de mais refugiados sírios em solo brasileiro. As negociações buscavam também recursos para a recepção e alojamento destes refugiados. O presidente do CONARE, Beto Vasconcelos afirmou que o Brasil vinha se colocando “de forma protagonista” no debate sobre migração e refúgio, além de receber elogios da comunidade internacional. Após o afastamento da Presidenta Dilma, o governo interino - e ilegítimo - de Michel Temer, sob comando de seu atual Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, suspendeu as negociações com a União Europeia para o acolhimento de refugiados. A mudança na política externa brasileira pôde ser sentida, em pouco tempo de governo interino, como uma guinada; de uma política acolhedora e de cooperação, para uma política neoliberal e mais fechada.
A instabilidade e crise na política interna brasileira refletem no posicionamento e processo decisório do país no cenário internacional, em sua política de acolhida e, é claro, descredita o país e pode retirar o protagonismo do Brasil. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirmou que as medidas de Temer são “Retrocessos aos direitos humanos”. O corte nos programas sociais de habitação, educação e redução da pobreza, por exemplo, a extinção de importantes ministérios como o Ministério da Mulher, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos, dentre outras medidas, revelam que o governo Temer carrega uma pauta que pouco interesse tem na promoção dos direitos humanos e que, certamente, comprometerão a posição e status do Brasil no sistema internacional quanto à promoção da agenda. O corte nos programas sociais afeta, inclusive, refugiados. O programa Bolsa Família, por exemplo, programa de transferência de renda, criado com fins de retirar brasileiros da miséria, estava atendendo também a refugiados sírios, que perderam tudo e, chegando ao Brasil, não conseguiram obter emprego. A medida foi emergencial, já que o governo ainda não criou um programa de transferência de renda específico para migrantes e refugiados.
O processo de impeachment que corre no senado, desacreditado por organizações internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Parlamento Europeu, através da manifestação de deputados de diferentes nacionalidades que pedem a suspensão das negociações do bloco europeu com o bloco do MERCOSUL, a Organização dos Estados Americanos (OEA), e da UNASUL (União das Nações Sul-americanas), além de vários Estados que pedem o respeito ao processo democrático, rompeu com a continuidade de negociações e laços. O governo interino de Michel Temer, colocou à frente das relações exteriores do país um político de carreira, que mais preocupação tem em divulgar internacionalmente a legitimidade de um governo ilegitimo, do que proceder com a cooperação e avanços no cenário internacional, levantando temores acerca do futuro das relações diplomáticas e inserção do Brasil no sistema internacional. O novo Ministro José Serra afirma que durante os governos de Lula e Dilma a política externa se guiou por “princípios ideológicos” e que agora será mudada para uma política de “Estado e Nação” quando, na realidade verificou-se justamente que durante os governos Lula e Dilma, onde o Itamaraty sempre fora comandado por diplomatas, e não políticos, a orientação da política externa foi carregada de pragmatismo, multilateralismo e cooperação, em busca do protagonismo brasileiro. A tradição de manter diplomatas no comando do Ministério das Relações Exteriores vem, inclusive, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. As novas diretrizes de política externa apresentadas por José Serra deixam claro que a agenda dos Direitos Humanos e a cooperação com países em desenvolvimento deixa de ser uma prioridade, e a partir de agora prevalecem os interesses econômicos do que chamou “setores produtivos”. Analistas de relações internacionais, além do ex-assessor de Dilma Rousseff, criticam a agenda de política externa proposta pelo Ministro de Temer, afirmando que o Brasil assiste ao retorno de uma agenda velha e ultrapassada, subserviente aos interesses do capital e pouco independente.
Dilma Rousseff também criticou os rumos dados a política externa do Brasil pelo governo interino e afirmou que caso retornasse ao exercício do poder, seria preciso reorganizar o governo e retomar as diretrizes e programas sociais e humanitários. A permanência de Temer significa a permanência também de sua agenda neoliberal, tanto no cenário doméstico quanto no cenário internacional. A volta de Dilma poderia significar a retomada do multilateralismo, da cooperação sul-sul e da promoção dos direitos humanos e acolhida a refugiados e migrantes. Um terceiro possível cenário, em caso de novas eleições ainda permanece obscuro.