Quem gannha e quem perde?
O quadro político de alinhamento entre os níveis federal, estadual e municipal e o momento politico de visibilidade positiva do Brasil no cenário internacional foi determinante para esta “conquista”.
O Brasil que entrou na agenda política internacional a partir da eleição do presidente Lula e a consequente implementação de políticas sociais que impactaram a pirâmide social brasileira, produziu uma narrativa onde a retirada de milhões de brasileiros da linha da pobreza provocou um debate intenso sobre o o surgimento de uma nova classe média e o enfrentamento da desigualdade no país. Apesar dos números substantivos e da irrefutável mobilidade social identificada, o Brasil está longe de eliminar a desigualdade como marca. Os últimos dez anos foram de concentração de renda no topo da pirâmide e o contexto político/econômico a partir de 2014, revelou a insustentabilidade dos ganhos econômicos e sociais da última década.
O Rio Janeiro há décadas persegue o sonho de sediar as Olimpíadas. Em 1996 o Rio se apresentou como candidata as Olimpíadas de 2004. Neste período, como não havia um alinhamento político entre os três níveis de governo, houve espaço para a manifestação e intervenção da sociedade civil carioca. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, um dos fundadores do Ibase (*), entrou na “briga” e apresentou uma “Agenda Social” como condicionalidade mobilizadora para a candidatura do Rio.
Foram elaboradas cinco metas que governantes, empresários e sociedade civil deveriam perseguir para tornar a Cidade do Rio digna para seus cidadãos e cidadãs e, logo, pronta para receber atletas do mundo todo. Foram elas:
01. Educação de qualidade para todas as crianças e jovens
02. Todas as crianças bem alimentadas
03. Favelas urbanizadas e integradas à cidade
04. Ninguém morando na rua
05. Esporte e cidadania jogando no mesmo time
As metas eram ousadas mas factíveis. O objetivo de Betinho era criar uma mobilização social e comprometer o empresariado e os governantes com os desafios das metas. Naquele momento, os representantes do poder público e dos empresários compraram a ideia. Vivia-se naqueles anos uma profunda disputa e dissociação entre as instâncias : federal, estadual e municipal.
Passados 20 anos – 2016 - o Rio sediará a XXI Olimpíadas dos tempos modernos. Quando da escolha da cidade olímpica a conjuntura brasileira era outra: a figura do presidente Lula como expoente da nova política brasileira, afinado com o governador do Estado do Rio de Janeiro e o prefeito da cidade, compuseram uma unidade institucional suportada, fortemente, pela iniciativa privada e acordos políticos entre os entes federativos do Brasil. Este quadro permitiu que o COI, no seu processo de decisão, passasse por cima dos problemas que retiraram a cidade da disputa em 1996: poluição da Baia de Guanabara e a violência na cidade. Ainda hoje, o tema da poluição da Baía de Guanabara depende de critérios e interesses que não estão muito claros para todos. E os dados sobre violência no Rio também são questionáveis, mesmo quando o tema abordado é a experiência da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que vem sendo apresentada nos espaços internacionais como a solução para o enfrentamento da violência na cidade e se contrapõem aos dados sobre a morte de jovens negros nas favelas do Rio.
No entanto, a expectativa de que os grande eventos são oportunidades para melhorar a vida nas cidade, é controverso. É claro que ganhos sempre há e haverão. No entanto, a pergunta deve ser quem ganha e quem perde? Este é um debate necessário no Rio de janeiro.
Todo o discurso oficial da prefeitura destaca a mobilidade urbana como um dos principais legados deste evento: BRTs, VLT, Metro para Barra da Tijuca, etc... No entanto, segundo o professor Vinícius M. Neto, da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), o BRT serve mais ao estímulo a dispersão do que o contrário. Para ele, por exemplo, afastar as pessoas mais pobres do centro das cidades tem um impacto crucial. Em relação a linha 4 do Metro, que estenderá este modal até a Barra da Tijuca, área de expansão da cidade e de investimentos imobiliários de alto luxo, há controvérsias. Segundo o movimento “o Metro que o Rio precisa” o traçado escolhido é um equívoco. O movimento reclama a volta do percurso previsto no projeto original pois a proposta em curso “é apenas uma extensão da linha 1 que já está o seu limite”. O prefeito rebate a crítica e diz que a população “está vendo esse legado e aplaudindo e apoiando”.
Outro tema sensível são as remoções ocorridas nos últimos anos. Segundo o Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, publicado em maio de 2013, “são três mil famílias já removidas e outras oito mil estão ameaçadas”. Este processo está gerando muitas ações de denúncia de violações ao direito a moradia. Ainda segundo este relatório o poder publico tem se utilizado de diferentes critérios e justificativas para a remoção dessas famílias: Obras viárias associadas aos corredores dos BRTs; instalação ou reforma de equipamentos esportivos; obras voltadas à promoção turística na área portuária; criação de áreas de risco e interesse ambiental nestes territórios.
A Vila Autódromo merece um destaque pelas evidências de arbitrariedade e articulação entre poder público e interesse particular do capital imobiliário. Pois, mesmo estando próxima a um equipamento olímpico – Parque Olímpico - ela não impede, não atrapalha e nem mesmo dificulta o acesso a este local. A única justificativa para sua remoção é o compromisso da prefeitura do Rio com os empresários de “limpar” a área deixando-a livre de aglomerados populares nas suas cercanias. Pois a valorização daquelas terras subirão exponencialmente, depois das Olimpíadas.
Uma marca das olimpíada no Rio será, com certeza, o componente “importante de expulsão dos pobres das áreas valorizadas, como o bairro da Bara da Tijuca e do Recreio”. “A maioria das remoções está, portanto, localizada em áreas de extrema valorização imobiliária.”
Flertando com este clima de embelezamento do Rio, outras áreas sofrem pressão e ameaça de remoção e se aproveita para diminuir o número de moradias de algumas favelas: veja o caso da Providência. Aí o poder público optou por construir um teleférico de apelo turístico e com este argumento removeu moradores desta favela, que é a primeira a se constituir no Rio de Janeiro. A mesma lógica vai provocar a intervenção em várias ocupações no centro do Rio. A lógica, mais uma vez, é não permitir a presença de moradores populares em áreas revalorizadas pelo poder público.
Desta forma, a pergunta que se coloca para o futuro é sobre o perfil da cidade que se consolidará após 2016? Como as dinâmicas sociais de convivência na cidade responderão aos processos de apartamento e exclusão implementados no processo da cidade Olímpica? Que sustentabilidade haverá na iniciativa da segurança pública (UPP) como caminho para o enfrentamento permanente do controle dos territórios pelo tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro? Como controlar/impedir que o processo de gentrificação, que já está em curso na cidade, para que não avance na velocidade que o “mercado” exige? Como garantir uma cidade democrática, inclusiva onde diferentes expressões sociais, culturais e econômicas encontrem espaços para uma convivência plena e digna?
Que venha o Rio pós-olímpico. Caberá a cidadania ativa por meio das diversas formas de organização social, disputar inventivamente os sentidos desta cidade, bem como a apropriação efetiva por toda sua população.
Itamar Silva
Diretor Ibase
(*) O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) é uma organização de cidadania ativa, sem fins lucrativos. Fundada em 1980 por Betinho, e os companheiros de exílio Carlos Afonso e Marcos Arruda. www.ibase.br
Referências:
Megaeventos e e Violações dos direitos Humanos no Rio de Janeiro. Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013 .
Brasil: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016/ organização
Orlando Alves dos Santos Júnior, Christopher Gaffney, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.