TIC-TAC-TIC-TAC O Brasil conta as horas para retomar o desenvolvimento sustentável
O cronometrou foi acionado. E o tic-tac que escuto talvez seja o do ponteiro marcando o tempo que falta o Brasil se livrar do pior Presidente que já teve, desde a redemocratização. Mas talvez seja o som de uma bomba-relógio, pronta a explodir a qualquer momento.
Não há bola de cristal e ninguém pode afirmar o que irá acontecer nos próximos meses no Brasil, até que a faixa presidencial seja finalmente entregue ao presidente eleito, mas nada indica que serão dias calmos e a situação não é uma surpresa: nos últimos anos a comunidade internacional tem sido alertada, incansavelmente, sobre a necessidade de agir mais enfaticamente contra a perigosa situação em curso. Agora, concluídas as eleições federais e estaduais, mais que nunca é hora de um alerta vermelho, como dizem os diplomatas, o futuro é incerto.
A crise política não se conclui com as eleições e são muito os desafios que o país enfrenta. No campo político ultrapassamos há tempos as tradicionais disputas partidárias que faziam parte da disputa partidária às quais nos acostumamos nas décadas passadas. A crise política não arrefeceu e se intensifica pois ate o dia 31 de dezembro quem tem a caneta e a chave do cofre é um governo federal de características e atitudes facistas, como mostram as evidências.
Além das graves turbulências durante o processo eleitoral, seguem os ataques de Bolsonaro e de seus aliados no Congresso Nacional aos direitos humanos, aos ativistas que os defendem e às instituições democráticas – com destaque para o judiciário e a mídia. E todos/as sabemos que não nos livraremos tão cedo do "bolsonarismo" que se estabeleceu no Brasil.
Essas forças políticas, conformada por grupos anti-direitos, anti-meio ambiente, racistas, LGBTfóbico e de pautas fundamentalistas conservadoras, seguirá tentando mudar o ordenamento jurídico e vem construindo mais força para retroceder avanços conquistados. Se há algo que aprendemos nos últimos anos é que essa extrema direita que busca acintosamente a regressão democrática no Brasil não descansa. A violência política não era novidade. Ela sempre caracterizou o Brasil, país forjado sob a elite colonial e escravocrata, mas cresceu demais, a ponto de levar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a organizar um processo inédito de observação internacional das eleições realizadas em outubro.
Mas agora, a questão é como reconquistar o país e sanar os problemas, que extrapolam a crise política e são graves. Ao analisarmos o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16, por exemplo, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas, proporcionar o acesso à justiça e construir instituições eficazes, responsáveis em todos os níveis – aspectos fundamentais para qualquer democracia – tem dez das suas 12 metas em retrocesso. Sobre as duas restantes, uma está estagnada e outra sob ameaça, além de seguimos carentes de dados atualizados para 18 dos seus 22 indicadores, como pode ser aferido no Relatório Luz 2022 da Sociedade Civil sobre a implementação da Agenda 2030 no Brasil .
Observando os compromissos firmados pelo país, a a situação não poderia ser pior. Das 168 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável analisadas neste último Relatório Luz, 80,35% estão em retrocesso, ameaçadas ou estagnadas e 14,28% delas tiveram progresso apenas insuficiente. Esses dados não deixam dúvidas, o país está em plena decadência e a recessão, com alta da inflação, dólar e do preço de alimentos, não resulta apenas da pandemia de covid-19, mas, principalmente, das más decisões governamentais, que desde 2014 vêm aprofundando as desigualdades. Mas nenhum governo conseguiu o que alcançou Bolsonaro e sua equipe técnica carente de competência: chegamos ao fundo do poço, é preciso tocar o alarme.
A tarefa do próximo Presidente da República é, portanto, gigante. Ainda que se cerque de profissionais tecnicamente competentes, ele não é um super herói e seus desafios dificilmente se resolverão em quatro anos.
A fome e insegurança alimentar, esperamos, tem que ser tratada como urgência, em especial nas subregiões Norte e Nordeste onde ela massacra as parcelas mais vulneráveis do nosso povo. Os dados são assustadores: passamos de 19,1 milhões de pessoas com fome em 2020 para 33,1 milhões em 2021 e hoje 125,2 milhões – mais da metade do total da população brasileira – sofrem com a insegurança alimentar.
A taxa de desemprego nunca mais saiu dos dois dígitos e a renda baixou ao menor nível da década, com o rendimento domiciliar em 2021 ainda menor que a média de 2020. Iniciamos este ano com 4,8 milhões de brasileiros/as em desalento, e a taxa de subutilização da força de trabalho alcançava 24,3% da população economicamente ativa. As altas dos preços de insumos básicos nos lares brasileiros levaram as famílias de baixa renda a substituir o gás de cozinha por álcool ou lenha, aumentando o número de acidentes caseiros.
Mas não é qualquer indústria ou trabalho que será capaz de reverter isso: precisamos de empregos verdes e que promovam a igualdade de gênero. Sim, porque no meio da nossa catástrofe, como historicamente ocorre, as mulheres são as mais prejudicadas. Aqui mulheres ganham em média 20,5% a menos que os homens mesmo na mesma posição e com o mesmo nível de escolaridade e em 2021 1,106 milhão delas deixou o mercado de trabalho.
E não somente no campo produtivo ocorrem problemas. Os feminicídios e o racismo cresceram. As políticas de planejamento familiar e serviços de promoção dos direitos sexuais e direitos reprodutivos (DSDR) foram quase esvaziadas. Houve uma redução de mais de 40% na aplicação de DIUs e laqueaduras e os dados oficiais apontam que os investimentos do Ministério da Saúde na compra de contraceptivos caíram 17%, em 2020 (os de 2021 não estavam disponíveis), resultado da forte atuação do governo Bolsonaro que, em aliança com os ultra-ultrapassados e negacionistas evangélicos neopentecostais, decretou guerra contra os DSDR.
Não bastassem os velhos problemas (a luta das mulheres por decidir sobre o próprio corpo é histórica), a Covid-19, fez crescer a mortalidade materna em 223% em relação ao ano anterior: foram 74,7 óbitos/100 mil nascidos vivos em 2021.
O futuro presidente do Brasil, além de diminuir a dívida com as mulheres e meninas, terá muito a fazer também para cuidar do nosso futuro e, para isso, a Educação é central, inclusive para as meninas. E tem que agir rápido pois o sistema público de ensino já está gravemente ferido pelo cortes de verbas: em 2021, a educação básica teve 627 mil matrículas a menos que em 2020, quase 505 mil crianças não acompanharam o ensino e 154 mil nem assistiam às aulas.
Podemos dizer, sem medo de errar, que a educação está definhando. O orçamento educacional da União vem minguando ano após ano e não são destinados recursos para pesquisas. A verba para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)[1] em 2021 foi vergonhosa e a menor dos últimos 17 anos: 11,9 milhões de reais, o equivalente a pouco mais de dois milhões de dólares. E, detalhe, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, agencia do Ministério de Educação responsável por garantir a qualidade das instituições de graduação e pós-graduação no país não recebeu verba nenhuma. Com os cortes orçamentários as taxas de participação de pessoas negras, indígenas, quilombolas e das classes de menor poder aquisitivo foi 50% menor, o que ampliou a elitização do ensino superior.
O novo Governo Federal vai ter também que reorganizar a área de assistência social, assim como a de segurança pública. O Brasil segue como o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo: houve aumento de 8% das mortes violentas em 2021 (300 casos), uma morte a cada 29 horas e, no geral, a violência policial nos centros urbanos mais pobres e os conflitos no campo se intensificaram: o crescimento nos assassinatos nas áreas rurais foi de 1.100%, a maioria ligados à terra.
No meio dessas disputas, outro desafio em paralelo é de enfrentar o avanço do agronegócio predatório, que tem causado ameaças ao meio-ambiente e para o acesso a alimentos. Seu lobby fez com que em 2021 o Brasil aprovasse o uso de 562 agrotóxicos de alta toxicidade, vários banidos dos EUA e da União Europeia. Esse foi maior volume de liberação desde o ano 2000.
Do novo governo também se espera um controle do armamento em curso e do desmatamento, que cresceram em todo o país, ambos liderados por grupos criminosos organizados no país.
Na Amazônia, por exemplo, desde 2019 o desmatamento cresceu 60% e com ações do governo Bolsonaro para interromper políticas ambientais e desmantelar as estruturas institucionais, o corte no orçamento para o Ministério do Meio Ambiente foi de R$ 35 milhões, sendo que em 2021 só 41% dos recursos para fiscalização ambiental foram usados – há muito a ser feito e ainda que tenhamos um novo presidente humano – e não um super men – também há soluções.
Recolocar o Brasil de volta no caminho do desenvolvimento sustentável não será tarefa fácil, mas esse momento ainda não chegou. Até 31 de dezembro muito ainda pode acontecer. A luz de alerta continua acessa. E a comunidade internacional precisa continuar mobilizada porque os conflitos e tensões não acabaram com as eleições.
Alessandra Nilo é jornalista, com pós graduação em diplomacia e comércio internacional. É coordenadora geral da ONG Gestos e editora do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, série histórica iniciada em 2017.
Link para o site da Gestos: www.gestos.org
Link para o site do Relatório Luz: www.gtagenda2030.org.br
[1] The Brazilian National Council for Scientific and Technological Development is an organization of the Brazilian federal government under the Ministry of Science and Technology, dedicated to the promotion of scientific and technological research and to the formation of human resources for research in the country.