JUVENTUDE E MÍDIA: ENTRE A PARTICIPAÇÃO E A EXCLUSÃO
Frei Luciano Elias Bruxel[1]
INTRODUÇÃO
A juventude carrega em si um grande potencial de transformação social, que passa pela participação ativa, protagonista nos processos de mudança de um povo. No Brasil, a trajetória histórica, desde a ditadura até o processo de redemocratização do país, com todas suas contradições, sempre se pode contar com a participação ativa da juventude.
Contudo, uma análise mais profunda vai nos mostrar o quanto, no processo da história recente do Brasil, a Mídia brasileira, controlada por muito poucos e patrocinada por grandes interesses econômicos, tem sido obstáculo para muitas possibilidades de mudança e tem auxiliado à concentração do capital na mão de poucos, bem como aprofundado a exclusão social de muita gente, principalmente, dos jovens.
O Presente artigo objetiva refletir sobre o impacto da mídia, entendida aqui como qualquer suporte de difusão de informações, sobre juventude ao reportá-la através de um discurso que desconstituí o jovem enquanto sujeito e o transforma em objeto; passivo, quando é concebido unicamente como consumidor de produtos gerados pela própria mídia e manipulado quando se aliena frente as diferentes realidades e assim contribui para uma cultura permanente de exclusão e violência.
Avanços e Contradições...
Nos últimos anos, temos visto muitas informações positivas sobre programas sociais do governo brasileiro, tirando milhões de brasileiros da pobreza extrema, através dos programas de distribuição de renda. É inegável que houve uma grande transformação social no país diante do progressivo avanço do processo de implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em todo território brasileiro e da significativa queda do desemprego no país nos últimos anos.
Entretanto, a miséria é intensa e os recursos humanos e financeiros necessários para uma plena garantia de direitos para todos é uma realidade distante. Sendo assim, o caminho para a superação da exclusão social ainda é muito grande. Dados recentes do Programa Nacional de segurança e Cidadania (PRONASCI), do governo Federal, revelam o tamanho da tragédia da exclusão social de nossa juventude:
“São 4,5 milhões de jovens entre 15 e 19 anos que vivem em situação de vulnerabilidade social, não concluíram o ensino fundamental e estão fora da escola e desempregados. Por ano 64.400 ingressam no sistema penitenciário, 147 por dia, 7,79 por hora. Temos aí o tamanho da tragédia da exclusão juvenil no Brasil.” (Relatório, Pronasci, 2009)
Diante desse universo de exclusão da juventude brasileira, cabe uma análise crítica do papel da mídia, para vermos o quanto ela tem sido muito mais que um canal de conservação e constante legitimação da injustiça no Brasil. Entender o porquê das injustiças da exclusão social, principalmente, da juventude, passa por entender como mídia do Brasil aborda a realidade a partir do seu enfoque de interesse, na escolha de sua linha editorial , de sua publicidade, de sua propaganda e da maneira como constrói o seu discurso nos noticiários.
Entre a exclusão e a participação
Um olhar atento sobre o lugar discursivo em que a mídia se coloca vai nos ajudar a entender os paradoxos escondidos e produzidos por ela própria, que situa, para a sociedade a juventude em universos de participação ou de exclusão.
As imagens da juventude apresentadas na mídia são muito distintas e vão desde um modelo padrão a ser perseguido, no consumo, na moda e no entretenimento, ao da exclusão como “bode-expiatório” da violência no país.
O rápido avanço tecnológico das ultimas décadas encontra na mídia, com toda certeza, uma de suas maiores expressões. Tem-se, nas novas plataformas de comunicação, um aparente processo de democratização do acesso e da veiculação da informação, mas que configura um engano, na medida em que isso não significa mais democracia. No que diz respeito aos grandes interesses econômicos e políticos, a mídia, mais do que nunca, continua manipulando as formas de pensar, a partir de seus objetivos. Nisso encontra-se a relevância do papel da mídia no contexto atual. O que está por de trás de cada ferramenta de comunicação pode ter um papel muito importante na produção da realidade, conforme um alinhado conjunto de interesses que acabam por forjar, pelo discurso, uma realidade na qual os desejos são inventados e impostos em que, normalmente, o jovem torna-se objeto a ser explorado.
O uso e a difusão das mídias alternativas de caráter comunitário nas suas diferentes formas: rádios comunitárias, jornais comunitários, blogs, redes sociais têm criado espaços importantes de participação da juventude, como espaço de resistência cultural e política. Porém, ainda, com pequeno alcance, no que diz respeito a uma participação mais articulada e efetiva no processo de construção de uma nova matriz política que aponte para um projeto de uma sociedade mais justa e sustentável. Os últimos movimentos políticos vividos, nas grandes manifestações sociais, protagonizados pela juventude, e que foram articulados pelas redes sociais, mostraram um potencial grande de mobilização. Mesmo que de forma difusa, sem grandes lideranças, tais articulações trouxeram uma ampla pauta de reivindicações sociais, revelando a fragilidade de várias políticas públicas como as de saúde, as de educação e as de transporte público. A última deflagrou as manifestações e mais uma série de descontentamentos com as estruturas e instituições políticas do estado brasileiro, principalmente, a incapacidade de representação política de nossos partidos políticos e a corrupção no país.
A repercussão midiática diante dos manifestos foi muito grande, noticiada e apresentada intencionalmente com muitos interesses e acabou por interferir significativamente nas agendas dos governantes, das diferentes esferas de governo, bem como dos partidos políticos. Não apenas a esfera política, mas a própria mídia foi alvo de muitas manifestações, principalmente a Rede Globo, uma das mais influentes do país, embora não noticiado na grande mídia.
Diante das manifestações a mídia oficial, aquela que monopoliza a informação, ficou perturbada, todavia, com agilidade buscou manipular e usar as imagens dos manifestos, tentando apresentar as mobilizações a partir de seus objetivos, de forma ágil e dinâmica em capturar a informação e manipulando-a de acordo com seus interesses.
Um exemplo notório foi o enfoque dos manifestos dado pelos noticiário do pais; horas a fio divulgando a “pancadaria” e a “destruição” do patrimônio público, privado e outros, bem como apresentando, genericamente, a pauta de reinvindicações e as diferentes denúncias feitas pelo movimento da juventude. E, a rede Globo, em momento algum noticiou que ela mesma também era alvo dos protestos.
Está muito claro que a mídia dominante no Brasil, para manipular, cria interpretações e contra-informação para boicotar qualquer iniciativa de mudança política que caminhe em direção de uma sociedade contraria aos seus interesses.
A linha editorial que norteia a pauta da grande mídia tem uma intencionalidade alinhada aos interesses do mercado. A mídia é um grande mercado e não está fora dessa lógica. Ela, em nome da liberdade de imprensa, tem orquestrado, na sociedade brasileira, numa atitude difamatória, qualquer posição questionadora quanto ao atual modelo dominante da imprensa brasileira, isto é, colocando-se acima da possibilidade de critica, como detentora da verdade. Desde o noticiário, da publicidade, da difusão cultural, dos comerciais e da indústria cinematográfica predominante, percebe-se, como proposta de entretenimento, uma produção de uma realidade fragmentada e, na velocidade da repetição das informações e na sua produção, constrói-se uma crescente alienação e aversão à política enquanto ferramenta para o exercício da democracia e garantia de direitos. As contradições sociais que revelam o paradoxo de quem tem pertencimento social ou vive na exclusão social, num processo de alienamento de seres humanos, são legitimadas e constantemente alimentadas pela mídia, principalmente, nas narrativas das telenovelas.
Neste olhar crítico sobre a mídia frente à juventude, no que diz respeito a sua participação e exclusão, o mais trágico é o lugar que a juventude ocupa, na condição de objeto, pensado pela sofisticada arte da propaganda, que tem no jovem seu referencial de padrão estético e de consumo ou como agente da violência no país. A condição de objeto está diretamente implicada no aumento da violência. Jurandir Freire, psicólogo, psicanalista e professor de medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) tem analisado, com muita propriedade, o fenômeno da violência, mostrando o quanto as elites brasileiras, tão bem representadas pela nossa televisão, tem produzido um modelo de subjetivação e individualização que faz com que muitas crianças pobres e miseráveis cresçam num ambiente de relações em que, cada vez mais, não são percebidas como pessoas normais, portadoras de uma dignidade.
A mídia tem tido um papel decisivo em comunicar essa sutil ideologia, que faz com que tantos jovens cresçam internalizando uma experiência de menos valia, de não sentir-se um sujeito moral e que vai se tornando gradativamente um alheado à sociedade, um estranho em suas próprias comunidades. Freire recorda de Hannah Arendt que o “alheamento é uma das formas pela qual se manifesta a banalidade do mal. Por isso, no estado de alheamento, o agente da violência não tem consciência da qualidade violenta de seus atos.” (FREIRE, 2000). Quem não reconhece em si o valor da dignidade humana jamais vai reconhecê-la nos outros.
À realidade de muitos jovens que cresceram como estranhos ao incansável apelo ao consumo, perpetrado pela indústria da propaganda, socializam-se e multiplicam-se os desejos de consumo que para muitos não passam de uma excitação que quase nunca pode ser satisfeita e que, muitas vezes, é alcançada via o mundo do crime. Motivam, tais desejos, marcas que simbolizam os valores da materialidade, a busca por reconhecimento e por visibilidade – inclinações que formam um mundo de desejos, constituído por frustração e inevitavelmente por uma cultura de violência.
Esse universo acaba por ser publicado em plataformas de comunicação nas quais escorrem o sangue da violência que, na sua maior parte, retrata o extermínio da juventude brasileira. Raramente essas plataformas veiculam uma postura crítica, mostrando o quanto os jovens são vitimas da violência, do narcotráfico, da exploração sexual, de uma separação social. Pelo contrário, a juventude é apresentada como causa primeira da criminalidade e da violência. As plataformas midiáticas constroem de forma medíocre o senso comum de que o problema está unicamente na impunidade e na redução da idade penal. Não por acaso que mais de 90% da população defende a pena de morte e a redução da idade penal no Brasil.
Caberia também registrar e discutir a passiva receptividade da oferta intensa da indústria cinematográfica e de jogos de entretenimento que chega majoritariamente aos nossos adolescentes e jovens, como, muito bem, por diversas vezes, assinalou o ex-ministro da Justiça do Brasil e hoje Governador do estado do Rio Grande do Sul: “é um culto à estética da violência e da morte. De fato, nossos lares são invadidos por uma programação que exalta e estimula, espetaculariza a violência, o que com toda certeza impacta sobre o fenômeno da violência no mundo de hoje”, afirma Tarso Genro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um aspecto relevante a destacar e que diz respeito à falta de participação e da alienação política de muitos jovens no Brasil é a veiculação exaustiva na mídia de uma agenda predominante negativa da política. É claro que motivos não faltam, mas esta perspectiva tem criado uma aversão à política partidária. As mudanças estruturais que passam pela reforma política tributária, de modelo econômico, passam com certeza pela participação ativa de nossa juventude e que pode, como nos falou o Papa Francisco, reabilitar a política, para que ela possa corrigir as distorções históricas que produziram tanta exclusão e sofrimento no Brasil.
A tematização que coloca a juventude como eixo central frente à mídia deve ser estrategicamente potencializada, mas com a participação ativa e crítica da própria juventude. Ela deve ser a protagonista de fato, pois caso contrário, corremos o risco de transformá-la apenas em objeto de uma análise que, por si, não produz as mudanças que tanto sonhamos no mundo de hoje. Principalmente as mudanças que tirem a juventude de um lugar de exclusão e produzam uma atmosfera social em que os objetivos e interesses em atender os anseios e desejos dos jovens estejam desvinculados de uma cultura de frustração e violência.
BIBLIOGRAFIA
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – PRONASCI – Programa Nacional de Segurança e Cidadania – Relatório – Juventude e Prevenção da Violência, 2009.
ROITMAN, ARI – organizador - O Desafio Ético – Editora Garamond – Edição 2000, SP. (in, Jurandir Freire)
[1] Frei Luciano Elias Bruxel, da OFM: Ordem dos Frades Menores, é licenciado em Filosofia e Psicopedagogia. É Diretor da Unidade Executora do ISCFA (Instituto Cultural São Francisco de Assis), Centro de Promoção da Criança e do Adolescente no município de Porto Alegre/RS. Tem atuado à frente de Conselhos e Fóruns de Direitos da Criança e do Adolescente.