Rumo ao Fórum Social Mundial de 2009
Essa é a grande expectativa para o Fórum Social Mundial de 2009, que acontece em Belém do Pará. “O fato de o fórum vir a ser realizado na Amazônia tem um significado enorme, pois é um pedaço do nosso país que nunca recebeu muita atenção”, afirma Ana Paula dos Santos Souza, coordenadora geral da Fundação Viver, Produzir e Preservar (movimento pelo desenvolvimento da Transamazônica e Xingu).
Os organizadores querem mostrar a Amazônia sob o ponto de vista de sua riqueza multicultural e biodiversidade, assim como a luta dos povos tradicionais para manter sua cultura, língua e identidade. Aldalice Otterloo, diretora geral da UNIPOP (Instituto Universidade Popular), e que participa do comitê de organização do fórum, também destaca que o encontro será palco importantíssimo para se discutir a disputa de projetos políticos sobre o acesso, uso e controle dos recursos naturais da Amazônia.
Os grandes temas a serem discutidos no fórum_ ou pelo menos a demanda dos povos da Amazônia_ são os megaprojetos previstos e estabelecidos na região, tanto para servir a objetivos ligados a IIRSA (Iniciativa de Infra-Estrutura Regional Sul-Americana) quanto ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Por megaprojetos entende-se hidroelétricas, barragens, produção em grande escala de agrocombustíveis, hidrovias, etc. “Estamos formando debates e plataformas de lutas que pretendem ir além do FSM e que sirvam para nos unificar, a fim de enfrentar esse modelo de desenvolvimento implantado na Amazônia, predador, e que viola os direitos dos povos tradicionais, destrói as identidades culturais e a biodiversidade, aumenta a desigualdade e coloca a sobrevivência do planeta em risco, na medida em que destrói a floresta para garantir o avanço da monocultura e da pecuária e termina com a poluição dos rios”, completa Aldalice.
O que se espera do fórum é conseguir abrir um caminho para a formulação de políticas públicas coerentes e benéficas para os moradores da região. Apesar de estar na pauta de organizações, governos, políticos e institutos de pesquisa do mundo todo, os efeitos das mudanças climáticas e os mecanismos de mercados que surgiram a reboque do alarme de aquecimento global, como seqüestro de carbono, MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Livre) e REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação), não são assuntos que têm relevância política para a maioria das organizações da região norte do país, segundo Ana Paula: “O mundo está discutindo mudanças climáticas, mercado de carbono, REDD... Mas, para nós, para o povo da Amazônia, essas questões são muito abstratas ainda. Apesar de o mundo discutir isso, é importante frisar que não fazemos parte deste mundo. Essa é uma discussão que está circulando entre empresas e países ricos. Para nós, é mais importante discutir os grandes projetos que estão acontecendo e que estão planejados para a Amazônia. Outro assunto que nos interessa muito é o desafio de manter a agricultura familiar e ao mesmo tempo a floresta. Mas este tema não interessa aos países ricos nem a OMC (Organização Mundial do Comércio), e é exatamente este tipo de coisa que queremos debater. Nós queremos nos encontrar com outras organizações da América Latina e nos juntar às redes que estão discutindo esses assuntos. Isso sim é importante para nós, porque essas discussões envolvem políticas públicas, enquanto as outras são só comércio, não têm nada de política social.”
A articulação também preocupa os organizadores uma vez que as dificuldades são muitas, indo desde a falta de recursos até as grandes distâncias que, mesmo dentro da Amazônia, continuam sendo continentais Ainda assim, todos estão empenhados em contatar não somente organizações locais, mas outras como a Rede de Justiça Ambiental, sindicatos, movimentos de trabalhadores do campo de todas as regiões do país e também de países como Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. Também se ambiciona aproveitar o fator internacional do fórum para dialogar com países distantes como Indonésia, Malásia e Congo: “Pretendemos abrir um diálogo com outras regiões do mundo que já sofreram esse mesmo impacto (de grandes projetos de integração regional, de expansão agropecuária, de megaprojetos elaborados para alavancar o crescimento, etc)”, completa Aldalice.
Ao mesmo tempo, fala-se muito em popularizar o fórum ao máximo possível, garantindo a presença massiva de organizações indígenas, dos quilombolas, de pescadores, extrativistas e de associações de mulheres trabalhadoras, como as quebradeiras de coco. O objetivo é dar voz àqueles que muitas vezes ficam invisíveis diante dos projetos econômicos e de crescimento para a região.
A dificuldade financeira, como se pode imaginar, é grande e se tornou um desafio, principalmente pelo fato de se rejeitar a participação privada, o que acaba dificultando a obtenção de recursos para apoiar uma participação intensa de pessoas e organizações. O fórum também não tem autonomia financeira e depende de um apoio substancial do governo. Para sua realização, dois terços dos recursos vêm das esferas federal e estadual e um terço deveria ser captado pela sociedade civil. “Mas ainda não conseguimos nem a metade”, lamenta Aldalice.
Diferente do que aconteceu nos fóruns anteriores, em Belém haverá dois eventos paralelos e interligados, destinados à participação de governantes locais: o FAL (Fórum de Autoridades Locais), que pretende reunir mais de 500 representantes de cidades do mundo, e o FALA (Fórum de Autoridades Locais Amazônicas), que convida todos os chefes de Estado da Pan-Amazônia (Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname), e que pretende garantir a presença de Lula, Chavez e Evo Morales. Além disso, o comitê organizador do FSM afirma que, apesar de não ter aprovado a auto-organização de eventos envolvendo a participação de chefes de Estado, uma vez que isso representaria uma atitude que iria de encontro à própria natureza do fórum (de ser apartidário e de não estar ligado a nenhum governo especificamente), toda e qualquer organização que quiser levar um governante para Belém poderá fazê-lo desde que a atividade ocorra a partir do dia 29 e após as 18h para não atrapalhar as atividades da sociedade civil (dia 27 é a marcha de abertura e o dia 28 está reservado às questões Pan-Amazônicas).
Em face de todas essas dificuldades, começa a surgir a idéia de repensar o formato do fórum de modo que se tenha mais tempo para articulações, mobilização de recursos e de participantes, através de encontros regionais menores, porém mais freqüentes. “Na minha opinião, seria interessante ampliar o fórum para a cada três anos e nos intervalos fazer uma mobilização global, efetivar fóruns regionais e outros processos que integrem e fortaleçam ações conjuntas, porque, do jeito que está construído hoje ele é insustentável operacionalmente”, finaliza Aldalice.