Violência sexual: exploração sexual no contexto dos grandes projetos
Antes de tudo precisamos considerar que os grandes projetos são decididos fora da Amazônia, visando interesses que não beneficiam os amazônidas, apenas nos trazendo sérias consequências ambientais e sociais. Gerando impactos socioambientais, muita polêmica e dividindo opiniões entre governo, ambientalistas e movimentos sociais. Exemplo concreto é Belo Monte, na região do Xingú – Pará.
O famigerado “desenvolvimento para a Amazônia” é um processo que oprime a natureza e os seres humanos, pois está fundado sobre uma perspectiva economista, ligada ao lucro acima de tudo, sem responsabilidade social e ecológica. Muitos desafios socioambientais perduram, outros se agravam e novos afloram. Povos indígenas, quilombolas, migrantes, ribeirinhos, todos os pobres das periferias urbanas e das regiões rurais, sofrem graves violações de direitos. Preocupa-nos a construção de hidrelétricas, da mineração e o avanço do agronegócio que destroem a floresta e expulsam as populações tradicionais, destruindo a vida que se mostra como obstáculo ou resistência, assim como o aumento de conflitos na luta pela terra.
Os grandes projetos de desenvolvimento econômico, também incentivadores de processos migratórios, criam espaços nos quais adolescentes de vários municípios, ou mesmo de outras regiões do País, sejam iludidos ou enganados a buscar meios de conseguir algum dinheiro para garantir seu sustento e o de suas famílias. Para tanto, percorrem uma trajetória e aceitam propostas que envolvem o trabalho doméstico e a própria inserção precoce no mercado sexual, em locais como bares, boates, praças, portos, postos de combustíveis e prostíbulos.
A ocupação desordenada tanto em nível urbano quanto rural trouxe impactos desreguladores das estruturas sociais, levou à superpopulação, com insuficiente infraestrutura de serviços públicos básicos, causando a alteração da cultura local e do modelo de produção e consumo. Estas questões, entre outras, levam as famílias, incluindo as crianças e adolescentes, a que recorram, até com certa naturalidade, ao “mercado do sexo”, como alternativa de renda para a sobrevivência e realização do sonho de consumo.
Estive diversas vezes no Município de Altamira- Estado do Pará contribuindo com momentos formativos e de reflexão sobre o aumento da exploração sexual a partir da concretização da Usina de Belo Monte. Constata-se que o fenômeno da violência sexual envolvendo crianças e adolescentes, no contexto de grandes obras, revela a invisibilidade social e uma cruel dificuldade para a identificação de caminhos preventivos e repressivos que devem ser fortalecidos no âmbito das instituições e políticas públicas. Urge disseminar espaços informativos sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, assim como orientação junto aos trabalhadores e trabalhadoras das grandes obras.
O que a exploração sexual tem revelado no contexto dos grandes projetos?
A exploração sexual tem revelado não só o crime, mas a miséria, o medo, a vergonha, o constrangimento que impõem às suas vítimas e que muitas vezes têm o consentimento de pessoas da sua família. Na maioria, são pessoas sem direitos garantidos, de baixa renda, famílias em situação de vulnerabilidade social que sofrem a insegurança e sentem na pele a ineficácia da rede de proteção, que, apesar do discurso político, não consegue estruturar programas de atenção e acompanhamento para as vítimas desse tipo de crime.
Trata-se de um crime monstruoso, silenciado, pouco debatido e enfrentado. Seu enfrentamento reclama uma visão holística dos direitos humanos. A dignidade humana é irrevogável, inalienável e imprescritível. Para o enfrentamento desta complexa realidade, várias ações precisam ser efetivadas. Destaco, pois, que é urgente enfrentarmos os seguintes desafios: a construção de propostas eficazes de enfrentamento; atendimento às vítimas deste crime, de forma interdisciplinar e qualificada; e identificação e responsabilização dos culpados por esta degradante prática criminosa.
Urge definir políticas e estratégias para o enfrentamento deste problema e levar a questão da violência para as instâncias de controle social de modo a formular políticas públicas eficientes e eficazes. Destaco, ainda, o fortalecimento da mobilização e da sensibilização da população em geral, visto que ainda a violência sexual contra crianças e adolescentes no Estado do Pará é justificada como ‘questão cultural’. Esta problemática deve ser desmistificada pelos órgãos responsáveis pela produção do conhecimento e pelas organizações não governamentais, associações, lideranças comunitárias, igrejas, dentre outros. Além disto, a responsabilização dos culpados pelo crime de exploração sexual, pois a impunidade tem provocado um sentimento de incapacidade e ausência de esperança.
Desejo encerrar reafirmando meu compromisso de que, apesar das perseguições e ameaças, jamais me cansarei de dizer que devemos lutar com determinação e garra. É necessário abraçarmos a vida com amor e paixão, assim como vencermos os desafios com sabedoria e ousadia. O mundo pertence a quem se atreve. A vida é muito preciosa para ser violada.
Sobre o autor:
Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, formada em Biologia pela Universidade Metodista de Piracicaba. Com participação em documentários e livros como “Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo - II Seminário Nacional de Direitos Infanto – Juvenis e Violência Sexual no Contexto de Grandes Obras”. Coordenadora da Comissão Justiça e Paz- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Regional Norte 2- Pará e Amapá.