Rede Xique Xique e as implicações relacionadas ao periodo da pandemia da COVID-19

| by praktikum@kooperation-brasilien.org
Átalo da Silva Souza*
Francisca Eliane de Lima**
Flavia Londres***

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de articulação e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas na promoção da agroecologia, no fortalecimento da produção familiar e na construção de alternativas sustentáveis de desenvolvimento rural.

Com a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, em março de 2021, grande parte as atividades e ações desenvolvidas por grupos de agricultoras/es, coletivos, associações, sindicatos, ONGs, movimentos sociais e redes da sociedade civil tiveram de ser abruptamente descontinuadas, desafiando todos a buscar rapidamente estratégias de adaptação.

Além da capacidade de adaptação de muitas organizações para se ajustarem às limitações impostas pela necessidade de isolamento social de modo a não interromper suas ações, foi notório perceber, logo nos meses que se seguiram à chegada da pandemia, um grande número de iniciativas que foram também criadas buscando contribuir para o enfrentamento aos efeitos da pandemia. Viu-se surgir, em todo o país, um grande número de ações criativas com esse objetivo, capazes de rapidamente mobilizar agricultoras/es, consumidoras/es, organizações de assistência social e grupos de economia solidária, entre outros sujeitos da sociedade.

Entre essas iniciativas, merece destaque a experiência protagonizada pela Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, uma rede articulada no Rio Grande do Norte (região Nordeste do Brasil), que há 17 anos vem promovendo ações de formação, capacitação, produção e comercialização com seus/suas associados(as).

A Rede Xique Xique estava se planejando para, em 2020, ampliar sua dinâmica a partir da inauguração de uma loja física que fora construída com apoio da Fundação Banco do Brasil e da ONU Mulheres, articulando o espaço de comercialização com tecnologias sociais como reuso de água cinza (água residual do uso em pias e chuveiros), energia solar e casa de sementes crioulas.

A inauguração do espaço de múltiplo uso, a Bodega Xique Xique, estava prevista para ser inaugurada em março, justamente na época em que foi decretada a pandemia, impondo a todas/os a necessidade de isolamento social e consequentemente suspendendo e/ou limitando atividades como a feira agroecológica, que ficou considerada insegura pelos riscos de contaminação. O desafio colocado nesta ocasião envolvia, sobretudo, criar estratégias para não perder o engajamento das pessoas que buscavam consumir no novo empreendimento.

A Rede Xique Xique passou então a desenvolver estratégias comerciais que envolveram, por exemplo, o uso de serviços de entregas, mesmo tendo consciência da precarização das condições de vida dos(as) trabalhadores(as) que prestam esses serviços. Assim, mesmo diante do cenário de precarização do trabalho dos entregadores(as), optou-se pela realização das entregas e divulgação dessa nova modalidade de compras. Essa ação de divulgação fez com que, em poucas semanas, os pedidos dobrassem de quantidade. Esse processo de adequação para os serviços de entregas foi acontecendo inclusive com as feiras locais, em alguns municípios com os(as) próprios(as) agricultores(as) realizando as entregas.

Paralelo a esta opção pelos serviços terceirizados de entrega, a Rede investiu também em um portal de comercialização eletrônica: um site construído através da parceria com a Rede de Economia Solidária e Feminista (RESF). Esse portal qualificou a apresentação dos produtos, tornou a procura ao catálogo mais agradável aos clientes e facilitou o trabalho da equipe de comercialização responsável pela operação da plataforma. Para além dessa estratégia, observou-se que a divulgação dos produtos com enfoque nos benefícios à saúde obteve bons resultados, o que gerou uma busca por produtos como própolis e xaropes fitoterápicos.

Para além desses aspectos da comercialização, a Rede desempenhou um importante papel social nesse período. Através de parcerias com a Fundação Banco do Brasil, o Centro Feminista 8 de Março e a Comissão Pastoral da Terra, desenvolveram-se ações de compras emergenciais para atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade. Foram mobilizadas diversas toneladas de alimentos da agricultura familiar, numa ação que apoiava as(os) agricultoras(es) ao realizar a compra de seus produtos, e alimentava outras famílias que recebiam esses alimentos na forma de doações.

Algo que é importante ser destacado é que, com suas práticas, a Rede, em parceria com outras organizações como a Federação de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Norte (UNICAFES/RN), conseguiu influenciar o Governo do Estado motivando-o a lançar editais de atendimento a chamadas públicas emergenciais e de fornecimento de kits de alimentos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Essa ação possibilitou que a agricultura familiar estivesse sendo constantemente demandada e mantivesse um fluxo de comercialização de sua produção.

Quando observamos as estratégias de resistência utilizadas pela Rede Xique Xique podemos constatar que todo sucesso é fruto da organização dos(as) próprios(as) agricultores(as), que estão organizados(as) em seus 17 núcleos (municípios) do Rio Grande do Norte, que são formados por unidades produtivas agropecuárias, grupos de mulheres, grupos de jovens, grupos de apicultura, grupos de artesanato, grupos de confecção, grupos de finanças solidárias, associações e cooperativas comunitárias.

Esses núcleos possuem sua própria dinâmica de auto-organização e encaminham suas definições nos conselhos deliberativos. Os 17 núcleos escolhem duas representações para compor o conselho gestor, que se reúne trimestralmente para elaborar os planos que serão operacionalizados por um outro conselho com menos pessoas, o conselho diretor. 

Este espaço de encontro, formação e trocas teve que se adequar, pois com a chegada da pandemia, as reuniões, que costumavam agregar muitas pessoas de cidades diversas, precisaram ser adequadas para o modo remoto. Vale destacar que, mesmo com os desníveis de inclusão digital entre as(os) associadas(os), registrou-se o interesse e adaptação até por parte de agricultores(as) com pouca formação, que buscavam continuar na dinâmica da organização apesar de suas limitações.

Acreditamos que momentos desafiantes como esses ajudam a conferir legitimidade a organizações da agricultura familiar, pois, com trabalho coletivo realizado em Rede, foi possível superar as adversidades e tornar este período uma oportunidade de resiliência e ressignificação, bem como de fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica.

*Licenciado em Educação do Campo/UFERSA
**Associada da Rede Xique Xique
***Integrante da Secretaria Executiva da Articulação Nacional de Agroecologia