“O Brasil é mais do que o Bolsonaro”. A pandemia, o SUS e a vaccina

| by tilia.goetze@kooperation-brasilien.org

Entrevista com Valdevir Both, director executive do Centro de Educacao e Assessoramento Popular (CEAP) sobre o papel do SUS no combate contra a pandemia, a campanha de vaccinacao no Brasil e a quebra dos patentes.

 

Essa entrevista é editada e encurtada.

 

Informação de fundo

Valdevir Both: “O CEAP foi fundado no período da redemocratização do Brasil quando passou por um golpe militar na década de 60. Desde o início o CEAP tem atuado como tema da saúde pública. Em 1988 tivemos a nova Constituição do Brasil. por conta dessa a saúde no Brasil foi elevada a condição de um direito humano acessível a todos. A gente trabalha em outros temas também, mas principalmente em três grandes áreas:  1: Assessoria a Organizações e Movimentos Sociais. Isto é assessoria organizativa para fazer planejamentos e fazer e discussão política, análises de conjuntura e assessoria direta. 2: A formação voltada para fechar esse tema da participação social dos conselheiros de saúde das lideranças sociais. 3: A produção de conhecimento. O CEAP tem desde o início se preocupado muito em construir em disseminar conhecimentos com os movimentos sociais. Não para eles, mas junto com eles.”

 

Lila Sax dos Santos Gomes: O número de vacinados no Brasil é, apesar de um programa de comunicação baseada em notícias falsas do governo Bolsonaro, semelhante e mais alto do que o número de pessoas que receberam dois doses na Alemanha. Como é que voce explica isso?

VB: Quem olha de fora aparece aparenta uma contradição. Como você tem uma quota de vacinação alta mas bem pelo outro lado negacionistas? Pra entender isso é muito importante dizer o seguinte: O Brasil é mais do que o Bolsonaro. Brasil foi vítima de um golpe em 2016. Depois do golpe a gente teve uma negação terrível da política da esquerda em especial. E as pessoas foram contaminadas pela grande imprensa e pelos monopólios externos e queriam romper com o sistema, queram romper com a democracia. E nessa lógica Bolsonaro se elege. Bom quando ele se elege, ele se elege com uma alta adesão popular, com uma alta credibilidade, para o nosso desespero no país. É isso que aconteceu. E como a voz dele era muito forte e qualquer palavra que ele falava era contra nós. Ela batia na população e a população foi jogada para dentro do vírus - especialmente a população mais mais pobre.

(Para entender) o que ocorre (desde entao) gradativamente na sociedade é importante entender a importância dos Conselhos de Saúde no Brasil. Nós temos em torno de 80 a 120 mil conselheiros no Brasil. Os Conselhos de Saúde tem um papel muito grande. As universidades tiveram um papel muito grande na resistência. O Congresso Nacional, que mesmo no início tendo apoiado muito, aos poucos foi se dando conta de que não seria cúmplice desse processo. Então, por mais que Bolsonaro ainda mantenha a maioria, aos poucos o Congresso foi criando forças e é o próprio Poder Judiciário, inclusive com a mais alta corte, o STF, também aos poucos foi entendendo o que estava acontecendo. A maioria dos governos começaram a se dar conta de que o governo estava brincando com a vida da população e eles estavam respondendo na ponta, e os governos municipais da mesma forma. Aos poucos as pessoas foram percebendo que a gente precisava ao mesmo tempo conter o vírus e investir na vacina. O resto era conversa. (Bolsonaro tinha criado) um discurso falso qu era: ou a vida ou a economia. Não: tem que pensar nos dois!

 

Aí se instalou uma CPI no Congresso Nacional. E essa CPI que tem um papel fundamental.Ela mostra em termo de 60 e-mails que não foram respondidos oferecendo a vacina. O governo não se mexeu depois que descobriu que ele estava mediando outras vacinas. Então você começou a criar um consenso em torno da vacina. E aí quando você gera um consenso digamos básico em torno da necessidade da vacina e portanto o recurso dinheiro pra ela, você só precisava conectar com uma outra coisa que o Brasil tinha que é o quê: o SUS. Durante decadas o SUS criou uma cultura de vacinação com altíssima potência e altíssima adesão. O Brasil tem índices acima de 95% a depender da vacina e da adesão à vacina. Então você tinha históricamente campanhas para a vacinação da população e tem dias especiais. Você tem a personagem de Zé Gotinha no Brasil que é identificada com simbólico da criançada. Então você tem a um lado o consenso em torno que nao tem alternativa à vacina de outro o SUS com campanhas de vacinação históricas que não dependam desse governo. E outra coisa você tem tecnologia no Brasil. O Brasil tem dois institutos que fabricam vacina que é a Fiocruz e o Butantã. E poucos países têm isso no mundo. Nós só não tivemos uma vacina produzida no Brasil por irresponsabilidade. Entao as pessoas foram se dando conta no Brasil que por mais que gostavam da presidente mas não tinha jeito não há mais o que segurava o discurso do presidente. 

 

LS: Qual é a importância do SUS na pandemia?

 

VB: O SUS é uma das maiores políticas de distribuição de renda no país. E quando a pessoa não precisa tirar dinheiro do bolso para pagar a sua saúde, isso significa mais renda para ela. Os planos de saúde privados eles sequer conseguiu atender dignamente os seus segurados. E quando começou a aumentar a pandemia e vários deles apoiando o governo Bolsonaro eles não tinham o que fazer. Eles jogavam os seus pacientes para fila do SUS que foi para a linha de frente no Brasil. O SUS teve um papel fundamental no esclarecimento das pessoas e na medida do possível evitar que as pessoas fossem afetadas mais ainda. O SUS teve um papel fundamental no acolhimento mesmo das pessoas. Você imagina, nós estamos com 22 milhões de pessoas que passaram pela COVID. Você imagina um sistema que não estava preparado e que não teve atenção. O que é que significou isso. Então é óbvio que ele não vai atender bem. Mas não é porque é culpa dele né. Agora se nós não tivéssemos SUS nós temos certeza que essas vítimas dobrariam no país elas elas teriam o dobro as mortes do país.

 

Mas quando você tem um sistema que universaliza o acesso você vem por longos anos inclusive nos governos democráticos populares com um subfinanciamento. Você vem com falta de dinheiro muito grande nesse sistema. E aí você vai chegar com falta de leitos, com falta de respiradores, falta de UTI. Isso vem de longa data. Só que a partir de 2016 com a EC 95 nós saímos do que nós chamamos de subfinanciamento para o desfinanciamento que é a curva (do financiamento) descer com a população crescendo. Eles querem acabar com a universalidade e querem acabar com o direito à saúde tirando os recursos; precarizando as condições de trabalho os profissionais; não investindo em estrutura. Aí você tem a falta de leitos. Você não investe em tecnologia. Hoje mais de 80% da população brasileira não tem planos de saúde. E voce tem 45 milhões de pessoas que usam o SUS mas tem um plano privado - mesmo assim usa o SUS, inclusive na vacinação. Então enfim essa é a questão de fundo que está posta.

 

LS: Qual é o impacto da falta da quebra de patente da vacina?

VB: Temos vários grupos que também comunga desse princípio que a gente precisa antes de tudo a garantia do mercado. Estamos falando aqui do lucro, de ganhar dinheiro com os nossos corpos e nossas mentes. Mas antes disso vem o direito à saúde o direito à vida. Essa hierarquia que se põe você precisa botar portanto a economia a serviço da vida e dos direitos do direito à saúde. Nós não podemos ter dúvidas sobre isso. Não podemos fazer isso com meias palavras. A gente tem que dizer essas coisas especialmente para uma economia hoje neoliberalizada no Brasil. Não é possível discutir os limites das várias economias mas agora o que eu não admito é que o direito ao mercado e ao lucro vultuoso esteja acima da vida das pessoas. O acesso das pessoas (à saúde) está cada vez mais se tornando uma verdade questionável. Aí essa discussão temos que fazer um debate ético de novo. Nós tivemos no mundo um debate (sobre a pandemia) muito ruim coordenado não pela OMS mas coordenada pela OMC. Quem deveria ter discutido e coordenado esse debate não tem nada a ver com OMC. A OMS certo com todas as críticas que eu posso ter, mas é dela que é o lugar e não da economia.

A indústria fármaco é uma das que mais cresce nas bolsas na Bolsa de Valores isso não é apenas uma cifra, por trás desse crescimento há vidas que deixam de existir. Há pessoas que sofrem há pessoas que não conseguem pagar o que precisam para manter a sua saúde. Muitas vezes bem a partir disso e quando no âmbito OMC nós discutimos o direito à patente e com o argumento de que isso impulsiona os investimentos em novas descobertas e em novas inovações. Com esse argumento você começa a botar os estados de joelhos. Botar os estados escravos dessa indústria. A minha opinião é que a gente precisa ter investimentos públicos. Brasil tem muita universidade pública sendo usada para Inovação Tecnológica. Recurso público certo que depois que é descoberto com dinheiro público é patenteado por uma empresa privada. O que a gente defende é um investimento público alto. Claro que é regrado. Ninguém pode ser bilionário desse investimento pois o investimento público é do Estado. Bom, enquanto nós não estivermos lá. eu sou completamente favorável à quebra de patentes. O Brasil já fez isso em algumas oportunidades - lá no governo de Fernando Henrique Cardoso com o ministro Serra. Por um medicamento para HIV Aids reduziu 50 % dos custos. Então no Brasil recentemente inclusive por luta por muita mobilização do próprio Congresso a gente aprovou uma lei em setembro pelo governo Bolsonaro. Ele não queria mas foi obrigado. A lei aprovada no Brasil agora e já sancionada não é a lei de quebra de patentes, é contemplar tecnologia e medicamentos usados e necessários para a pandemia. Desde que algumas regras sejam úteis e sejam garantidas.

A gente precisa ter uma um olhar especial para aplicar para países que não conseguem comprar desde o começo das vacinas, porque eles podem ser um celeiro de novas variantes do vírus. (Isso dito) Eu preciso vaciná los porque eles têm o direito. Eles são gente eles são seres humanos têm direito a vacina. Se põe o lucro acima da vida do direito das pessoas. A gente precisa na minha avaliação desenvolver mecanismos e a sociedade civil precisa se mexer, precisa ir pra cima de seus governos pra gente enfrentar esses monopólios fármacos químicos que embora a gente reconheça avançaram muito enfim e fazem investimentos sim mas não dá pra em tempo de pandemia.