Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu: Acesso ao Babaçu e aos Mercado
Ana Flavia da Silva Azeredo*
Maria Alaides Alves de Sousa**
Luciene Dias Figueiredo***
As palmeiras de babaçu (Attalea speciosa) constituem uma floresta secundária que de acordo com estudo realizado pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia cobre em torno de 27 milhões de hectares nos estados do Maranhão, Piauí, Pará, Tocantins, a chamada “região ecológica dos babaçuais”, porém também há babaçuais nos estados do Mato Grosso, Goiás, Ceará, Amazonas, Minas Gerais e Rondônia. Mas é nos estados do Maranhão, Sudeste do Pará, Tocantins e Piauí que o extrativismo se desenvolve como atividade econômica e com ações de mobilização política realizada pelas quebradeiras de coco babaçu.
A forma de acesso ao fruto (coco inteiro de babaçu) ainda é, na maioria dos casos, restrita, pois a maior parte das terras nos 04 principais estados em que a atividade do extrativismo do babaçu tem expressão econômica (Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará), estão em áreas em disputa ou privadas e, portanto, o acesso aos babaçuais é proibido. Todavia muito se conquistou, passados trinta anos da organização do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), encontramos milhares de quebradeiras de coco babaçu vivendo em áreas de assentamentos, reservas extrativistas, comunidades tradicionais tituladas ou de posse consolidadas com livre acesso aos babaçuais. Todavia, ainda há diversas situações de conflitos envolvendo as florestas de babaçu, por exemplo, territórios em conflitos fundiários, devastação e envenenamento de palmeiras, proibição de coleta do coco babaçu, regime de trabalho obrigando as mulheres dividir o resultado do seu trabalho (a quebra do coco babaçu) com pretensos donos do babaçu, dentre outras.
As mulheres quebradeiras de coco babaçu adentram nas matas com cofos artesanais de fibra do babaçu, levando suas ferramentas de trabalho machado, cunha, macete e ainda algum alimento para passar o dia na mata de babaçuais juntando e quebrando coco. Ao retornarem para suas casas trazem nos cofos o produto do trabalho, as amêndoas de babaçu. Sentadas ao chão, iniciam o processo de extração convencional da amêndoa, totalmente manual. As mais habilidosas chegam a quebrar até dez quilos de amêndoas dia. Quem quebra coco na mata geralmente não está sozinha, são grupos de mulheres que se unem pelas mais diversas razões, seja por vizinhança, parentesco, amizade, solidariedade a quem está necessitando de ajuda e, juntas coletam o coco juntando num mesmo lugar e depois em roda realizam a quebra. Uma vez perguntei a uma mulher porque quebravam em forma de circulo, na resposta uma lição de vida: “estando de frente uma para a outra, além de conversarmos, protegemos umas as outras observando quem vem pelas costas”.
Desde a visibilidade das lutas e conquistas alcançadas pelas quebradeiras de coco babaçu, há em diversas regiões e de acordo com os avanços obtidos muitas mulheres coletam o coco inteiro e levam para quebrar em casa. Por vezes são os filhos crianças, a partir de sete anos, e adolescentes que fazem esta atividade, conciliando com a escola, eles vão até os babaçuais e transportam geralmente em animais de carga (jumentos) e até em motocicletas, os frutos para a casa onde mãe e filhas vão realizar a quebra do coco.
Ainda, vamos encontrar grupos de mulheres que se organizam para conseguirem transportar o coco babaçu até seus pontos de quebra utilizando carros com caçambas, geralmente são situações que as palmeiras se encontram muito longe das residências, tornando inviável a coleta diária, por isso, realizam entre-se cotas de valores que pagam para alguém com veículo fazer o transporte dos frutos. Elas em grupos ao longo do dia juntam bastante coco que permite ficarem semanas só quebrando em algum lugar comum na comunidade onde moram.
Encontramos diversos grupos de quebradeiras de coco que se organizam para realizar o aproveitamento integral do coco babaçu, assim atuam na produção, beneficiamento e comercialização. Há grupos mais estruturados atuando em cooperativas, outros em associações e outros sem formalização jurídica. Abaixo alguns exemplos:
Podemos citar a COPPALJ – Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco, é uma cooperativa mista de homes agricultores familiares e mulheres quebradeiras de coco babaçu que produz óleo de babaçu orgânico para alimento e óleo bruto para cosméticos, a partir das amêndoas de babaçu adquiridas das suas associadas e não sócias.
A Cooperativa Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – CIMQCB, formada por 29 (vinte e nove) grupos produtivos informais, cujas integrantes parte delas são sócias da cooperativa e atuam como uma rede de comercialização organizada em 06 (seis) filiais por região e 04 (quatro) estados Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará. Os grupos produtivos que integram a CIMQCB trabalham com o beneficiamento das amêndoas de babaçu transformando em azeite e óleo comestível, extrai o mesocarpo de babaçu e transforma em diversos derivados no ramos da panificação tais como biscoitos, bolos, pães, pudins, farinha de mesocarpo.
Há um grande quantitativo de quebradeiras de coco em clubes de mães, associações comunitárias realizando a produção de azeite e óleo de babaçu, sabão e sabonetes, artesanatos, derivados do mesocarpo de babaçu mais diversos possíveis além dos já citados, cocadas, sorvete, café de babaçu, pizza, etc.
Vale ressaltar conforme o grau de organização e articulação dessas diversas formas produtivas, os resultados também são diversos, pois se temos a COPPALJ que exporta óleo orgânico bruto para empresas de cosméticos, há um contingente expressivo de Associações de Quebradeiras de Coco Babaçu acessando políticas públicas voltadas para garantia de segurança alimentar como o PAA – Programa Nacional de Aquisição de Alimentos, PROCAF – Programa de Compras da Agricultura Familiar do Estado do Maranhão, esses dois tem a função de comprar produtos da agricultura familiar e doar para famílias em situação de insegurança alimentar. O PNAE – Programa Nacional de Aquisição de Alimentos para Alimentação Escolar, voltado para garantir alimentação para os alunos nas escolas de ensino público.
Conquista importante obtida pelas articulações das organizações das quebradeiras de coco babaçu é a inclusão do babaçu na Política de Garantia de Preço Mínimo para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM Bio). O governo federal através da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) define o preço mínimo do KG da amêndoa de babaçu, se o mercado pagar valor menor que o preço mínimo, o governo repassa à quebradeira de coco a subvenção que é a diferente entre mercado e o preço mínimo tabelado.
Outros espaços importantes de mercado são também as Feiras Locais e regionais da agricultura familiar onde às mulheres quebradeiras de coco sempre estão presentes ocupando seus espaços e oferecendo ao público a diversidade de subprodutos que o babaçu oferece.
A CIMQCB, cooperativa organizada diretamente pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu também coloca os produtos das suas associadas em Lojas de economia solidária atendendo a um público que valoriza a origem e sustentabilidade social, ambiental que está presente na economia do babaçu promovida pelas guardiãs das florestas de babaçu às mulheres quebradeiras de coco babaçu.
Para finalizar, não podemos deixar de citar que a grande maioria das quebradeiras de coco babaçu segue dependendo do mercado de óleos vegetais, ou seja, o resultado do trabalho das mesmas, a produção de amêndoas, exige ter mercado para sua aquisição. O principal mercado segue sendo as indústrias esmagadoras que produzem óleo de babaçu. Há indústrias de óleo de babaçu que são as mesmas fabricantes de produtos de higiene e limpeza, mas também há aquelas que só comercializam o óleo bruto de babaçu para às grandes empresas de cosméticos ou de alimentos que utilizam nos seus produtos óleos vegetais.
* Ana Flavia da Silva Azeredo é assessora do MIQCB.
** Maria Alaides Alves de Sousa é Coordenadora Geral do MIQCB.
*** Luciene Dias Figueiredo é membro da equipe (MIQCB) e antropóloga.